Oyasumii e o medo de crescer
Está rolando o evento "Vem aí" na loja de jogos Steam. Este ano tá cheio de jogos incríveis, densos e profundos e um deles que me chamou muita atenção e que particularmente me tocou bastante quando joguei foi OYASUMII. Jogo que traz aquela pegada típica já em muitos jogos indies que tentam contar alguma história ou trabalhar os seus próprios temas encima de conceitos de arte baseados nos icônicos gráficos de PlayStation 1 e Nintendo 64. Este texto não é um detonado nem um artigo sobre dicas do jogo, esse texto é apenas uma perfomance da perfomance pra falar justamente sobre coisas que me chamaram atenção.
O mundo que é hoje não é o que te prometeram quando criança
O jogo começa numa vibe bem tranquila, você está andando por aí numa grama verde na Dream Quest Online, pulando plataformas 3D e se desafiando para subir no alto de um grande forte que parece até sem fim. Você se esforça muito pra chegar lá, muito mesmo, o céu é azul e o horizonte também, tudo parece muito esperançoso e até cheio de vida. Eu pessoalmente gostei muito da música dessa primeira fase, a música é mesmo muito boa e eu ouviria pra mim estudar, trabalhar ou jogar um joguinho online.
A primeira parte desse jogo eu chamaria de infância porque embora o jogo em si não deixe claro, parece a metáfora perfeita, porque a primeira fase não é diferente de um Mario 64, Crash Bandicoot ou qualquer outro game que jogamos no nosso videogame ou no videogame daquele nosso amigo que sempre tinha o novo console que tinha acabado de ser lançado, ou pelo fato de que estamos brincando, pulando plataformas por aí e subindo, ou seja, estamos crescendo e chegando cada vez mais alto, em algo que ainda não assimilamos direito para que serve aquilo mas que é divertido, muito divertido.
Em um determinado momento do jogo, a tela buga e dá um glitch, levando você para um mundo escuro completamente oposto aquele. Você é obrigado a pular as plataformas num mundo escuro e vazio que agora não parece ser mais tão divertido e sim mais uma obrigação da condição de sua própria existência. Você continua a pular seguindo aquele horizonte que parece ter vergonha de mostrar o que há pela frente. A tela dá um glitch mais uma vez e você chega numa parte em que não há o que fazer, você terá que cair. No que você cai uma voz te chama perguntando se você conseguiu ouvi-la, você não responde nada e ela diz que não há muitos humanos por ali mas que sempre esteve em busca de novos "sonhadores". No que você cai ou pelo menos você criança cai, seu mundo inteiro cai junto contigo e como nos jogos antigos quando o personagem cai da plataforma, ele morre. Sua infância morreu, acabou. Eu acho interessante demais quando usam da morte para representar lembranças ou memórias porque embora o peso que carregue, quando alguém ou algo morre, pra bem ou pro mal, aquilo ou aquela pessoa não passa a ser isso, uma mera lembrança passada ou como o jogo diz, "um eco do passado", a repetição de um som em dado espaço-tempo que se dispersa na medida em que se contrai.
Desse momento em diante o jogo te levará a uma sucessão de mundos lineares e labirintos que trabalham a metáfora sobre o amadurecimento, sobre a vida adulta ou pelo menos os desafios do início dela. Como nos labirintos desse jogo, o que há adiante é incerto e você não sabe para onde ir, o que você tem que fazer ou até mesmo se arrepende de certas coisas no meio do caminho se perguntando o porquê de não ter passado por ali desde o início.
Nostalgia, ressentimento com o futuro e rejeição do presente
Em meio a um mundo cheio de guerras, onde nações colocam jovens para lutar uns contra os outros em guerras quase que sem sentido se seguissimos algum pensamento minimamente racional, é triste como é normal que tenhamos um ressentimento com o futuro e também quase que involuntariamente, rejeitemos o presente e lidemos com o passado de uma maneira tóxica. Um exemplo disso é essa tendência de "cores" ou "aesthetics" que remontam a um futuro que nos prometeram quando criança, o Frutiger Aero do Windows 7 e da antiga Web 2.0, todas essas coisas remontam a um passado que embora estéticamente mais bonito não necessariamente era perfeito. A internet tinha mesmo muito mais identidade no passado, o que também não necessariamente significa que as coisas eram todas melhores no passado.
O que eu quero dizer é que não é que eu negue que o capitalismo tenha suprimido as nossas identidades por uma homogeneidade, não com o objetivo de simplificar o produto final ou torná-lo mais "clean" mas sim com o objetivo de baratear o custo de produção e manutenção daquele produto. O que eu quero dizer é que também de certa forma precisamos amadurecer e se for difícil crescer e ser adulto hoje, quem dirá pras gerações passadas. Acho que a gente ainda tem muito o que mudar para ser melhor para as próximas gerações, mas não acho que transformar o futuro num passado disperso da nossa lembrança seja algo saudável. E eu não aguento mais remake ou live-action de coisa antiga da nossa infância, tipo já deu mano chega pelo amor de Deus (embora eu esteja sendo hipócrita porque eu amei o remake de Silent Hill 2).
Pra finalizar eu também não estou indo contra estas estéticas, que são mais uma resposta a essa supressão das liberdades individuais e coletivas das pessoas do que propriamente um conservadorismo barato onde existe um passado imaginário onde tudo era melhor, mas que a gente realmente precisa repensar certas coisas e olhar sob um olhar mais crítico as coisas pelos os quais consumimos, pra não cairmos no mal do medo de crescer. E o medo paralisa a gente mesmo, mas se a gente não fizer nada, nada vai acontecer mesmo, igual em Oyasumii ou em qualquer outro jogo de videogame que a gente tanto gostava de brincar quando criança. Eu não sei pra quem esse texto era mas eu queria falar sobre isso, boa partida pra vocês, recomendo o jogo, se você tiver problemas com epilepsia eu não sei se é muito legal você jogar então é melhor evitar, embora não haja nenhum aviso na demo. Beijos e abraços, se cuidem.